Como a China planeja ir até o centro da Terra – e por que quer fazer isso

O navio Meng Xiang se prepara para perfurar a crosta da Terra mais fundo do que qualquer um já conseguiu até hoje. Isso é parte do Programa de Perfuração Oceânica da China. Os objetivos? Abrir uma fronteira geológica, coletar material para pesquisas científicas, encontrar reservas de petróleo e gás.

A base (e inspiração) para a ambição dos chineses é o Projeto Mohole, tocado pelos Estados Unidos entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960. E o que não faltam são desafios, obstáculos e controvérsias no caminho.

O projeto dos EUA que inspirou chineses a perfurar a crosta da Terra

O Projeto Mohole recebeu o nome da descontinuidade de Mohorovičić ou Moho, fronteira no interior da Terra. Descoberta em 1909 pelo sismólogo croata Andrija Mohorovičić, é o ponto onde a crosta terrestre e o manto se encontram e interagem.

Núcleo da Terra
Projeto Mohole recebeu o nome da descontinuidade de Mohorovičić, fronteira no interior da Terra (Imagem: AlexLMX/Shutterstock)

Até agora, tudo o que sabemos sobre ela veio de leituras de sismógrafo e inferências de minerais trazidos pela atividade vulcânica. É essencialmente onde as rochas mais leves da crosta dão lugar às rochas muito mais densas do manto.

O que o Projeto Mohole pretendia fazer: perfurar até o Moho e retornar amostras para cientistas analisarem diretamente, além de estudar as propriedades da fronteira em si.

Falando assim, parece simples. Mas, para começar, os cientistas e engenheiros por trás do projeto tiveram que desenvolver técnicas de perfuração completamente novas. Isso só para chegar lá.

Para complicar, o Moho não está a uma profundidade uniforme abaixo da superfície.

  • Sob a crosta continental: está de 20 a 90 km abaixo;
  • Sob o fundo oceânico: está de 5 a 10 km abaixo.

No oceano, eles teriam que perfurar através de menos rocha. O desafio era operar uma plataforma de perfuração deste calibre num navio.

Quando o Projeto Mohole terminou – após várias fases de perfuração, estouros de orçamento e disputas políticas internas – havia alcançado uma profundidade máxima de 183 metros. Isso ao largo da costa da Ilha de Guadalupe, no México, a uma profundidade marinha de 3,6 km.

O navio que a China quer usar para cutucar o centro do planeta

O Meng Xiang é o carro-chefe (ou seria navio?) do Programa de Perfuração Oceânica da China. Além de penetrar a crosta terrestre, é um navio multiuso capaz de explorar recursos nas profundezas do oceano para encontrar reservas de petróleo e gás, segundo a revista Nature e Xinhua News.

  • O navio também pode recuperar núcleos geológicos e servir como banco de testes para novas tecnologias.

O Meng Xiang mede 180 metros de comprimento e desloca cerca de 42,6 mil toneladas. Com tripulação de 180 oficiais, praças e pesquisadores, o navio “sobrevive” 120 dias sem reabastecimento e cobre 27.780 quilômetros de distância.

Navio Meng Xiang, da China, visto de cima
O Meng Xiang tem 180 metros de comprimento e desloca cerca de 42,6 mil toneladas (Imagem: Reprodução/Xinhua News)

Quanto à perfuração, pode baixar um tubo de 907 toneladas cerca de 11 km abaixo da superfície do mar. E funciona sob condições marítimas agitadas superiores a um tufão de Força 12.

Além disso, o navio possui um sistema de reciclagem de lama para reduzir a contaminação das águas locais durante a perfuração. Também tem o que a China alega ser o primeiro sistema automatizado de armazenamento de amostras de núcleo a bordo do mundo.

Na parte de pesquisa, o Meng Xiang conta com nove laboratórios científicos a bordo para trabalhos em campos como geologia, geoquímica, microbiologia, ciência oceânica e tecnologia de perfuração.

O navio foi comissionado em Guangzhou em 17 de novembro de 2024. Após completar testes dos seus equipamentos, espera-se que comece as operações de perfuração no Mar do Sul da China ainda em 2025. Os trabalhos devem ocorrer até 2035.

Desafios da missão

Apesar de ficar nas profundezas da Terra, o Moho pode não estar perto do núcleo derretido. Mesmo assim, é um lugar onde as regras da geologia e mineralogia quase quebram.

Para você ter ideia: sob o fundo do oceano, a pressão no Moho fica duas mil vezes maior do que a que você sente quando entra no mar. E o limite da temperatura fica entre 150 a 300 °C. Sob a crosta continental, os número vão para dez mil (pressão) e entre 500 a 700ºC (temperatura).

Tripulação entrando no navio Meng Xiang, da China
Com tripulação de 180 oficiais, o navio da China “sobrevive” 120 dias sem reabastecimento (Imagem: Reprodução/Xinhua News)

Para quem planeja perfurar, o que importa nisso tudo é: as rochas perto do Moho mudam seu comportamento. Primeiro, elas ficam mais frágeis. Depois, mais plásticas.

Quando uma broca força seu caminho para baixo, é como se mastigasse uma espécie de massa de alta temperatura e pressão. Isso enquanto essa massa se torna viscosa e derrete em alguns pontos.

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Controvérsias

Embora a China enfatize que o Meng Xiang estará aberto à colaboração internacional, controvérsias rondam o projeto.

Para começar, operações aparentemente inocentes e até bem intencionadas nas profundezas do oceano já serviram como cobertura para operações de inteligência escusas, para dizer o mínimo.

Navio Meng Xiang, da China, visto de cima, com destaque para parte de trás
O Meng Xiang é um navio de exploração de petróleo e gás, o que pode atrair controvérsias e escrutínio internacional (Imagem: Reprodução/Xinhua News)

Além disso, a China tem empurrado uma política agressiva de estender suas reivindicações sobre o Mar do Sul. Em 2014, alegou-se que a plataforma petrolífera chinesa Hai Yang Shi You 981 tinha infringido águas vietnamitas. Isso poderia ocorrer de novo em futuras perfurações do Meng Xiang.

Por último, mas não menos importante: o Meng Xiang é um navio de exploração de petróleo e gás.

A suspeita de que parte de seu trabalho científico secretamente inclui prospecção energética nas águas disputadas ao redor do Vietnã, Filipinas, Malásia ou Brunei no Mar do Sul poderia virar uma baita dor de cabeça diplomática.

Essa dor de cabeça poderia escalar se o Meng Xian for visto como expansão das capacidades marítimas chinesas. Ou pior: uma tentativa de afirmar reivindicações territoriais. A ver.


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